Pegadas de dinossauros na Pedreira do Galinha


O Monumento Natural das Pegadas de Dinossáurios da Serra de Aire (MNDPDSA), também conhecido por Pedreira do Galinha é a par das pegadas de dinossauros dos Lagosteiros, a jazida de icnofósseis mais visitada e conhecida em todo o pais.
É o único exemplo em que houve uma intervenção real e efectiva por parte das autoridades a fim de proteger o nosso património palentológico. O caso também não era para menos, pois estamos a falar dos mais longos trilhos de dinossauros saurópodes descobertos até a presente data em todo mundo.


Aramassauro
 modelo de um saurópode em tamanho real 


Tudo começou em meados da década de noventa, quando um grupo de jovens que passeava na serra, descobriu as pegadas dos dinossauros saurópodes na pedreira do Sr. Rui Galinha, que extraía brita para a construção civil.
O Estado Português decidiu investir na jazida e chegou a acordo com o empresário, surgindo assim o Monumento Natural que abriu ao público a 1 de Março de 1997.


pegadas sauropodes pedreira do galinha
Pedreira do Galinha
vista parcial


A pedreira do Galinha é, até à data, o único local com pegadas de dinossáurios em Portugal, preparado para receber visitantes, tendo chegado a atingir 55 mil visitas por ano.

Inclui actividades educativas, visitas guiadas ou autónomas, painéis informativos ao longo do percurso, um centro de animação ambiental, um modelo de um saurópode em tamanho real, e um jardim jurássico com a reconstituição da flora existente nesse período, constituída por algumas espécies vegetais que sobreviveram até aos nossos dias.


Jardim Jurássico


A poucos quilómetros do Santuário de Fátima e em pleno Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros (PNSAC), a Pedreira do Galinha é o local perfeito para passar uma manhã ou tarde diferentes com a família, aproveitar a tranquilidade e o ar da serra, apreciar a beleza da paisagem e admirar as marcas da passagem por este local dos maiores animais terrestres que alguma vez habitaram a Terra -  os grandes saurópodes.


Monumento Natural das Pegadas de Dinossáurios da Serra de Aire (MNDPDSA)


A jazida paleontológica da Pedreira do Galinha é uma laje calcária com 40 mil metros quadrados, que no Jurássico médio, mais precisamente na transição do Bajociano-Batoniano há 175 milhões de anos, constituía o fundo de uma laguna litoral confinada, com uma profundidade muito reduzida, que era invadida periodicamente pela água do mar.

Num clima quente e húmido, a vegetação era abundante o que permitia que grandes dinossaurios herbívoros permanecessem nesta região. E assim, vários saurópodes deixaram o testemunho da sua passagem pela laguna, pisando as lamas carbonatadas que foram sobrepostas por outros sedimentos, compactadas e petrificadas, transformando-se ao longo do tempo em rochas calcárias.


Camadas sedimentares de rochas carbonatadas na Pedreira do Galinha

Na pedreira do Galinha existem identificados vinte trilhos de dinossauros saurópodes mas dois desses trilhos são especiais.
Além de serem os mais longos e bem preservados trilhos de saurópodes do Jurássico médio conhecidos em todo o Mundo, estas pistas apresentam também características únicas a nível mundial.


parque natural serras aire e candeeiros
A jazida paleontológica da Pedreira do Galinha


Mas que características são essas?

Se seguirmos o percurso proposto à entrada, a primeira pista que encontramos ao chegar à laje é a chamada pista 5.  
Com 142 metros de comprimento é composta por 94 conjuntos de impressões mãos/pés. 
Tanto as mãos como os pés apresentam rotação para o exterior da pista que, por sua vez, tem uma largura interna de 70 cm sendo por isso de calibre largo (wide gauge). 


Uma das características desta pista é a morfologia única das impressões das mãos, que são assimétricas, e apresentam uma longa marca da garra do dedo I (polegar) com 16 cm de comprimento, com terminação pontiaguda e dirigida para o interior da pista. Algumas impressões apresentam também marcas de outros quatro dedos.


pegada mão sauropode pedreira do galinha G5
Impressão da mão esquerda de saurópode na pista 5



As impressões dos pés apresentam quatro marcas de unguais (garras) mas também estas com diferenças em relação a outras impressões de pés já estudadas: os dedos ou digitos I e II apresentam as garras numa posição anterior ou seja para a frente, e nos digitos III e IV as garras estão orientadas lateralmente.


pegada pé sauropode pedreira do galinha G5
Impressão do pé esquerdo de saurópode na pista 5


sauropode pe e mao
Pista 5 - impressões do pé e da mão


As impressões dos pés, mais compridas do que largas, têm 90 cm de comprimento por 60 cm de largura, e as das mãos, têm 38 cm de comprimento por 58 cm de largura, ou seja, a área da mão é sensivelmente metade da área do pé.

Esta razão de 1:2, a chamada heteropodia, é também única a nível mundial, sendo que o mais comum nas pistas de saurópodes conhecidas é as áreas dos pés serem cerca de três a seis vezes maiores do que as áreas das mãos.


trilho dinossauro sauropode pedreira galinha
Pista 5


O saurópode que produziu  a pista 5, com cerca de 3,6 m do solo à anca deslocava-se sensivelmente de Oeste para Este a uma velocidade de 4,1 km/h, acabando por pisar as pegadas deixadas por outro saurópode.




Esse outro saurópode tinha maiores dimensões (3,8 m do solo à anca) e deixou o trilho mais longo da pedreira do Galinha - a pista 1. 
Deslocando-se de Sudoeste para Nordeste a 4 Km/h, deixou um rasto com 97 conjuntos consecutivos de impressões mãos/pés ao longo de 147 metros.


pedreira galinha pista G1
A pista 1, com 147 metros de comprimento, é o trilho mais longo da pedreira do Galinha


A pista 1, também de calibre largo ( largura interna de 60 cm), apresenta as impressões dos pés e das mãos fortemente viradas para o exterior da pista. 
A área das mãos (40 cm de comprimento por 75 cm de largura) é também metade da área dos pés (95 cm de comprimento por 70 cm de largura), portanto de baixa heteropodia.
Nesta pista as impressões dos pés não apresentam marcas de garras.


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pista 1 - impressões de pés e mãos 


Quanto às impressões das mãos, têm forma de crescente, com os lados arredondados, e muitas apresentam uma impressão da garra do polegar, longa e estreita (20 cm comprimento por 6 cm de largura), virada para trás.


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Impressão da mão esquerda de saurópode na pista 1
com a marca do digito I virada para trás.


A morfologia das impressões das mãos que podemos observar na pedreira do Galinha, com grandes dimensões, marcas de dedos e com nítidas impressões de garras de polegar, são características dos saurópodes mais primitivos - os eusaurópodes.

Mas as pistas de calibre largo têm sido geralmente atribuídas a saurópodes mais evoluídos - os neosaurópodes - que tinham uma estrutura corporal que lhes permitia este tipo de locomoção.


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Pista 1


As pistas de calibre largo da pedreira do Galinha vêem assim demonstrar que pelo menos um tipo de eusaurópode tinha a capacidade de produzir este tipo de trilho.
Possivelmente pertenceria ao grupo dos Turiassauros, saurópodes originários da Europa, cujos ossos fossilizados já foram encontrados em vários locais do nosso país, em extratos do Jurássico Superior. 
O mais famoso deste grupo é o  Zby atlanticus cujos ossos foram encontrados em Paimogo, e cuja réplica do membro dianteiro está exposta na fachada do Museu da Lourinhã.


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Um dos trilhos de saurópodes da pedreira do Galinha
que não foram formalmente numerados 


O icnótopo (local onde se encontram icnófosseis) da pedreira do Galinha, devido às suas características únicas sobretudo nos trilhos mais longos, levaram à proposta de atribuição de um novo nome para o sistema de classificação das pistas de saurópodes.

As pegadas que compõem a pista 5, são o espécime-tipo para Polyonyx gomesi, que serão:

1. Pistas de calibre largo;
2. Impressões de pés com marcas de 4 garras ( garra I-II orientadas para a frente; garras III-IV orientadas para o lado);
3. Impressões assimétricas das mãos com uma longa marca do digito I orientada para o interior da pista com uma grande marca triangular da garra orientada posteriormente, além de impressões dos digitos II-IV.
4. Baixa heteropodia

O nome deriva de “poly” (muitas do Grego) e “onyx” (garras do Grego) e gomesi em homenagem a Jacinto Pedro Gomes, autor do primeiro estudo de pegadas de dinossáurios em Portugal.


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Pedreira do Galinha - pista 1


A preservação das pistas de dinossauros, principalmente quando surgem em áreas extensas, representam um grande desafio. A consolidação da superfície calcária, a minimização dos efeitos da erosão, a luta contra a acção das condições meteorológicas, são imperativos que envolvem um esforço técnico mas também financeiro. Mas esse esforço acaba sempre por ser compensado se for direccionado para a educação, para a ciência, para a cultura e para a sensibilização das pessoas, sobretudo dos jovens, no sentido de se preservar um património que existe hoje mas que jamais se repetirá.




O icnótopo da pedreira do Galinha,  juntamente com Vale de Meios (Santarém) e Pedra da Mua (Sesimbra), integrou uma candidatura ibérica de onze jazidas de pegadas de dinossauros a Património Mundial da UNESCO, mas infelizmente, a inclusão não foi contemplada.






Bibliografia:

New Sauropod Trackways from the Middle Jurassic of Portugal

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